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sábado, 1 de outubro de 2011

Fita Vermelha

"Você devia ter me telefonado, como sempre fez. Eu entendo que dessa vez não seria como me avisar a hora de começar Dr. House, marcar o futebol de domingo, falar sobre games ou contar entusiasmado sobre a bela garota que acabou de sair daí. Não quero nunca mais ser o último a saber, prometa isso e não cometa mais erros como esse. O verdadeiro vírus é o preconceito.

O show recém está começando, mas eu já dispenso a maquiagem. Quero ver seu rosto como é, como sempre foi. Bastava me avisar, de um jeito ou de outro, meus tênis sempre rangem alegres na calçada que dá na sua companhia. Não importa quantas milhares de pessoas viraram estatística. Quem um dia você chamou de amigo, será sempre uma pessoa, nunca um número qualquer em registros hospitalares. Vou além, nem o sangue tão dessemelhante me impede de te chamar de irmão.

O envelope amassado na lixeira, parece apenas um papel sem importância. Teu nome no verso, infelizmente, não inspira nenhum poema. E a palavra "positivo" agora tem seu sentido brutalmente distorcido. Mas não reclame da quantidade de pílulas ou das mãos geladas. A maioria se enche delas com álcool e ainda assim não podem se dizer quentes e vivos. Até mesmo o fim às vezes erra e se atrasa, quero pensar assim.

Me inclua na sua lista de tarefas. Não conte aniversários, invernos, manchas, consultas ou dias de sol. Conte comigo, apenas. Deixe eu te abraçar sem medo. Ando bem antenado: é assim mesmo que se transmite carinho, força, confiança e fé. Eu queria muito te levar pela mão atrás de alguma cura, mas se for pra nos enganar, lamento, passou da hora. Só me resta trocar de assunto e mostrar bons motivos sorrir.

A vida é mesmo estranha, como uma corrida sem a fita vermelha indicando a chegada. Estamos juntos nessa, bebendo do mesmo copo. O que posso dizer? Palavras agora só servem pra compor uma boa oração. A gramática, assim como o tempo, não existe. Faz parte desse sonho que temos supostamente acordados. Quem sabe um dia você me ensina como sonhar com o hoje.

Pode ser pavor de que seja tarde, então prefiro esconder meu afeto. Fico quieto, assistindo alguma coisa na tevê do seu sofá, por muito mais que três semanas. E quando você se virar pra mim, com os lábios contraídos e horizontais, não quero ver brilho nenhum, se a lágrima for fúnebre. Apenas supra a incompetência da vida, me mostrando nos olhos o significado daquilo que chamam de luta."

Gabito Nunes

Coisa de momento

"Confesso que a música romântica me fez tirar a roupa mais facilmente, mesmo eu não sendo de pensar muito antes de fazer isso. As coisas que ficam fora do lugar dentro de mim, sou eu mesma quem bagunço. Você, eu deixo bagunçar somente os cabelos e minhas quinquilharias femininas no bidê, pra deixar registrada uma marca, uma música, um beijo e umas recomendações.

Era o trato. Não sou de meio-amores que machucam por inteiro, acho essa coisa de paixão uma monstruosidade. Esse afeto sem razão que cultivamos por alguém quase desconhecido é uma espécie de suicídio passional que dá anos de cadeia. Não gostaria de ser como aquela gente que arrasta corrente por tempo. E não sou morta por dentro, acontece que meu colorido só dura 24 horas, tal uma borboleta. Sou isso, uma espécie de heroína lepidóptera nascida pra inibir crimes passionais. Mas só à noite, o resto do tempo sou uma lagarta gosmenta.

As pessoas que se apaixonam tendem a olhar-se mais no espelho, sem enxergar sua patética e debilitante condição. Quando a coisa acontece mútua, vá lá, diversão garantida por um tempo biologicamente determinado. As rejeitadas são o brabo. Subvertem-se psicóticas, caninas, manipuladoras, chantagistas, insanas, mendigas, agonizantes, verdadeiros cães de rua que aceitam um dono qualquer, suspeitos de crimes cheios de rastros.

Se alguém já chegou lá, por gentileza, me diga se vale a pena tanto andar. Do contrário, continuarei julgando essa coisa de amor uma longa estrada de chão calorenta até uma paradisíaca praia, que leva tanto tanto tanto tempo até você alcançá-la. E quando você chega sedento por um mergulho, fez-se a noite, o mar fica revolto e gelado e suscetível e perigoso e descontrolado. Não me espanta a vida como é ela é, me incomoda a vida como ela deixa de ser, às vezes. Simples, prática, funcional, indolor. Mas são apenas convicções.

Agora essa melancolia, essa saudade, essa tristeza, essa nostalgia, não sei o nome, seja lá o que você quiser. O jeito engraçado de andar com aquelas roupas, mesmo eu não concordando com aquela sua camiseta vermelha, seus dedos encardidos de cigarro, sua risada às vezes meio crueis, as coisas que você diz por empolgação, completamente nu. Mesmo eu não concordando com nada de bom das coisas que já consigo enxergar em você. Você não sabe, mas meu superpoder é inventar homens na minha cabeça.

Acha mesmo que vou sair na rua só pra comprar o jornal do dia e consultar sua intenção de me ligar no horóscopo? O interessado não dá desculpas, dá um jeito. Quando essa hora chegar, o dia já se foi, meu signo já aconselhou a agulha do meu disco trocar de música: dorme e acorda amanhã, num novo dia. Faz de conta que é otimista ou que esse amor não significava nada. Se a maioria acha triste a sensação de estar esquecendo uma feição, pra mim é um alívio discordar.

Como não sei se verei seu rosto de novo, aquele papelzinho seu rabiscado no meu bidê, recomendando uma música pra ouvir, joguei no lixo antes de memorizar. Não me dou o direito de mergulhar assim tão fundo num admirável mundo que não me pertence. Mas se acaso você me procurar, não sei, pode ser, quem sabe passa hoje aqui pra devolver as coisas que são minhas - meus momentos bons."
Gabito Nunes